sexta-feira, 9 de abril de 2010

Especial Chico Buarque - Cálice (Parte 5/5)


Em meu último post da série, observarei sobre uma das músicas mais ácidas de Chico, Cálice!

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue.

Em mais uma música que critica a ditadura militar, Chico faz uso de palavras proferidas por Jesus, onde pede ao Pai (Deus) que se possível afastar o cálice, que quer dizer passe logo este sofrimento. No refrão acima, observamos também a repressão feita pela ditadura com a palavra cálice que pode ser entendida com cale-se.

Li em outro blog uma resenha bem legal sobre a música, extrai algumas partes:

De vinho tinto de sangue 
O “cálice” é um objeto que contém algo em seu interior. Na Bíblia esse conteúdo é o sangue de Cristo, na música é o sangue derramado pelas vítimas da repressão e torturas.


Como beber dessa bebida amarga
A metáfora do verso remete à dificuldade de aceitar um quadro social em que as pessoas eram subjugadas de forma desumana.


Tragar a dor, engolir a labuta
Significa a imposição de ter que agüentar a dor e aceitá-la como algo banal e corriqueiro. “Engolir a labuta” significa ter que aceitar uma condição de trabalho subumana de forma natural e passiva.


Mesmo calada a boca, resta o peito
Os poetas afirmam que mesmo a pessoa tendo a sua liberdade de pronunciar-se cerceada, ainda lhe resta o seu desejo, escondido e inviolável dentro do seu peito.


Silêncio na cidade não se escuta
O silêncio está metaforicamente relacionado à censura, que, desta forma, é entendida como uma quimera, um absurdo inexistente, porque, na medida em que o silêncio não se escuta, o silêncio não existe.


De que me vale ser filho da santa / Melhor seria ser filho da outra
Não fugindo à temática da religião, Chico e Gil usam de metáforas para mostrar suas descrenças naquele regime político e rebaixam a figura da “pátria mãe” à condição inferior a de uma “puta”, termo que fica subentendido na palavra “outra”.


Outra realidade menos morta
Seria uma outra realidade, na qual os homens não tivessem sua individualidade e seus direitos anulados.


Tanta mentira, tanta força bruta
O regime militar propagandeava que o país vivia um “milagre econômico” e todos eram obrigados a aceitar essa realidade como uma verdade absoluta.


Como é difícil acordar calado / se na calada da noite eu me dano
O eu-lírico admite a dificuldade de aceitar passivamente as imposições do regime, principalmente diante das torturas e pressões que eram realizadas à noite. Tudo era tão reprimido que necessitava ser feito às escondidas, de forma clandestina.


Quero lançar um grito desumano / que é uma maneira de ser escutado
Talvez porque ninguém escutasse as mensagens lançadas por vias pacíficas e ordeiras, uma das possibilidades, por conta de tanto desespero, seria partir para o confronto.


Esse silêncio todo me atordoa
Esse verso denuncia os métodos de torturas e repressão, utilizados para conseguir o silêncio das vítimas, fazendo-as perderem os sentidos.


Atordoado, eu permaneço atento
Mesmo atordoado o eu-lírico permanece atento, em estado de alerta para o fim dessa conjuntura, como se estivesse esperando um espetáculo que estaria por vir.


Na arquibancada, pra a qualquer momento ver emergir o monstro da lagoa
Entretanto, o espetáculo pode ser ironicamente, somente o surgimento de mais um mecanismo de imposição de poder do regime, representado pelo monstro da lagoa.


De muito gorda a porca já não anda
Essa “porca” refere-se ao sistema ditatorial, que, de tão corrupto e ineficiente, já não funcionava. O porco também é um símbolo da gula, que está entre os sete pecados capitais, retomando a temática de religiosidade e elementos católicos.


De muito usada a faca já não corta
Demonstra inoperância, ou seja, mostra o desgaste de uma ferramenta política utilizada à exaustão.


Como é difícil, pai, abrir a porta
É expresso o apelo para que sejam diminuídas as dificuldades, mas ao mesmo tempo apresenta a tarefa como sendo muito difícil. A porta representa a saída de um contexto violento. Biblicamente, sinaliza um novo tempo.


Essa palavra presa na garganta
É a dificuldade para encontrar a liberdade, a livre expressão. É o desejo de falar, contar e descrever a todos a repressão que está sendo imposta.


Esse pileque homérico no mundo
Refere-se ao desejo de liberdade contido no peito de cada cidadão dos países vivendo sob os vários regimes autoritários existentes no mundo.


De que adianta ter boa vontade
É um autoquestionamento sobre a ânsia de lutar pela liberdade, uma vez que o mundo estava ao avesso. Refere-se a uma frase bíblica: “paz na terra aos homens de boa vontade”.


Mesmo calado o peito resta a cuca dos bêbados do centro da cidade
Mesmo sem liberdade o homem não perde a mente e pode continuar pensando.


Talvez o mundo não seja pequeno nem seja a vida um fato consumado
A partir deste verso o eu-lírico sugere a possibilidade de a realidade vir a ser diferente, renovando suas esperanças.


Quero inventar o meu próprio pecado
Expressa a vontade de libertar-se da imposição do erro por outros para recriar suas próprias regras e definir por si só, quais são seus erros, sem que outros o apontem. Tem o significado de estar fora da lei. O verbo aproxima-se do desejo urgente e real de liberdade.


Quero morrer do meu próprio veneno
Neste verso está implícito que ele deseja ser punido pelos erros que ele vier a praticar seguindo o seu livre-arbítrio, e não, tendo seu desejo cerceado, punido por erros que o sistema acha que ele poderá vir a cometer.


Quero perder de vez tua cabeça / minha cabeça perder teu juízo
Traz a idéia de que o eu-lírico deseja ter seu próprio juízo e não o do poder repressor. Quer decapitar a cabeça da ditadura e libertar-se do juízo imposto por ela, para ser dono de suas próprias idéias.


Quero cheirar fumaça de óleo diesel / me embriagar até que alguém em esqueça
Para encerrar, Chico e Gil usaram uma imagem forte das táticas de tortura. Para fazer com que os subjugados perdessem a noção da realidade, dentro da sala os repressores queimavam óleo diesel, cuja fumaça deixava-os embriagados. Entretanto, os subjugados também possuíam táticas antitortura, e uma das artimanhas era justamente fingir-se desmaiado, pois, enquanto nesta condição, não eram molestados pelos torturadores.
 Sérgio Soeiro — 18 de setembro de 2009 

A mensagem mais importante que deixo ao ouvir esta música, é que o cale-se da ditadura não calou a voz nem a mente de Chico Buarque que mesmo com toda repressão foi um dos maiores opositores da ditadura.

Assim termino esta série de posts, aguardem os próximos.

Amplexo...




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